Conto do Dantas !


Enquanto ele me admirava, em pé, nu junto à cama, eu tentava me manter abraçado à sua barriga. Como as proporções do corpo humano não permitiam que eu colocasse o ouvido contra o seu umbigo — como eu tencionava — terminei com o ouvido contra o seu púbis. Ele abraçava os meus cabelos enquanto eu sentia seus pelos tocarem o meu rosto. Não queria ficar ali, de joelhos, como uma dessas mulheres amalucadas das músicas de Chico Buarque, levantei-me, dei-lhe um longo abraço e me sentei na cama, para refletir.
Como eu, um menino de dezessete anos, do sexo masculino, tinha terminado ali, com um rapaz despido, encarando-me com o pênis rijo como se eu fosse uma garota?
Eu tinha aumentado o volume da música para que o barulho do encontro não despertasse a atenção dos meus pais. Era de madrugada. Um álbum meio experimental do U2 com fortes traços eletrônicos confundiam as nossas conversas com o barulho do rock.
          A porta do quarto estava trancada, havia garrafas longneck, Heineken,espalhadas por toda parte e meus cigarros queimavam no cinzeiro. Ele não se importava que meu quarto estivesse empesteado do cheiro deles. Não era fumante, mas assim como eu, era um habitué do mundo das drogas e do rock adolescentes.
Ele estava bêbado e excitado, tínhamos entrado com bebidas escondidas pela janela do quarto e por dentro das roupas. Nós já havíamos bebido o bastante na rua e provavelmente iríamos cair de tanto beber, um em cada cama, como dois bons amigos, pois era isso o que nós éramos até acontecer essa estranha intimidade.
Assim que entramos no quarto ele se deitou na cama e pegou uma cerveja. Eu me deitei no chão, com outra cerveja, perto do aparelho de som. Primeiro ele tirou a camisa, o que achei bem natural. Ele era moreno, de uma cor bela e uniforme. Sempre que me lembrava da cor morena eu remetia meu pensamento a uma música de Caetano Veloso e dessa vez não foi diferente: “Clarice era morena, como todas as mães são morenas”. Minha mãe também era morena, como ele e como a Clarice da música.
Ele tinha alguns desenhos dos músculos um pouco evidentes, devido à atividade esportiva que praticava aleatoriamente, mas nada que o deixasse atlético, era franzino como eu. Alto, com as pernas longas e esguias, desengonçadas como as de um adolescente, mas bem encorpadas nas cochas e nas nádegas. Sentado na cama, sem camisa, com as pernas um pouco levantadas, podia-se ver mais profundamente as suas pernas por dentro da bermuda que usava. O tecido leve da bermuda marcava facilmente o desenho do seu sexo. Tinha o umbigo saltado como o de um recém-nascido, o cheiro, como veria depois, era de madeira enegrecida. E o gosto, ah, o gosto! Era o mesmo gosto de uma cera de árvore que um tio gostava de mascar para a garganta e que comprava em uma loja de ervas medicinais. Por causa desse meu tio sempre comparei o gosto dos rapazes ao gosto de resina.
A personalidade dele não era nada especial. Um pouco revoltado, repetente nas escolas, com idéias malucas sobre a vida, dinheiro, família e uma idealização esquisita de entrar para o exército. Em outras conversas eu às vezes lhe falava de pessoas que “entraram para o exército” e eram felizes e viviam bem, para deixá-lo mais esperançoso e menos descrente da vida. Mas insistia que ele deveria estudar para puder engajar em uma patente mais alta. Ele tinha tudo para se dar bem no exército, era ágil e fazia coisas que eu nunca seria capaz de fazer com o corpo, como levantar o próprio peso. Hoje não sei o que ele faz, perdemos contatos quando ele sumiu e foi morar com os tios em Natal
Depois de várias conversas banais, ele decidiu acessar a internet. Abriu alguns sites pornográficos enquanto usava um antigo programa de computador, que rodava o MIRC, bem popular nos primórdios da internet e que servia para se comunicar. Foi quando, depois de alguns minutos, ele me fez um pedido estranho. “Posso tirar a roupa para me masturbar?”. Eu afirmei que sim, não era  eu quem iria impedi-lo e estava louco para poder vê-lo sem calças. Sentado na cama ele começou a se masturbar enquanto olhava para algumas fotos de casais no computador. Decidi ir na cozinha comer alguma coisa, ficar olhando para aquele menino se tocando na minha frente sem puder fazer nada tinha me dado fome.
Quando voltei, ele estava em pé, como se estivesse me esperando. É quando voltamos ao início do texto, eu com o rosto em seu púbis, ele com o pênis tocando o meu queixo. O abraço e finalmente, a hora em que decidi sentar na cama para refletir.
No que refletia? Refletia que “aquilo” provavelmente seria a minha primeira transa e que não seria com uma mulher. Não estava preparado para sexo, não havia camisinha em lugar nenhum. Eu pensava muito em sexo, masturbava-me com freqüência como todo adolescente, mas na hora de fazer, era outra história. Não sabia me aproximar dos garotos e era eles o que eu desejava.
Depois de matutar um pouco com os meus botões, decidi levar o garoto para deitar na cama porque era isso o que nós precisávamos. Ele tirou a minha roupa e me beijou. Não era o meu primeiro beijo, eu já havia beijado garotas antes, um menino, no entanto, teve um gosto bem diferente. Beijá-lo me fazia sentir como se estivesse envolvido em uma prática incestuosa, demorei a me acostumar com aquilo. Beijar uma pessoa do mesmo sexo, mesmo quando você deseja e procura, é dotado de um prazer especial, causado pelo proibido.
Eu não o amava. Já havíamos nos envolvidos em algumas atividades juntos, coisas que amigos costumavam fazer, sem jamais ter despertado por ele nenhum interesse que fosse além da amizade. Contudo, eu sabia que não era necessário amá-lo para possuí-lo por uma noite. Ou por outras noites, caso tivéssemos vontade de fazer aquilo outras vezes.
Em comum tínhamos o fato de sermos adolescentes complicados em todos os sentidos, com uma longa lista de dificuldades que incluam a violência, o consumo de drogas e a repetência escolar. Eu era mais intelectualizado e complexo do que ele, meus dramas eram alimentados por literatura e música de qualidades, ele alimentava os seus com uma criatividade menor. Seus dramas, porém, não eram simplórios a ponto de descartarmos qualquer interesse. Como toda pessoa, o universo de sentimentos que compunham a sua vida e personalidade era digno de respeito. No mais, ele tinha idade suficiente para ser educado por mim, eu poderia instruí-lo, dar a ele alguma educação, poderia fazê-lo despertar interesses mais semelhantes aos meus.
Juntos éramos uma bomba juvenil próxima à explosão. Aquele ato que estávamos para fazer, o sexo, não seria uma simples união carnal, seria como o encontro de partículas energéticas que dera início ao universo, iríamos explodir caso ficássemos juntos. Estávamos próximos a unir dois mundos bem semelhantes em uma única carne. Éramos garotos, perfeitos garotos com suas cuecas, suas camisas suadas com cheiro de suor agridoce, suas vontades e gostos masculinos. As pessoas educavam os meninos bem próximos uns aos outros, mas com seus interesses sexuais voltados ao sexo oposto, será que não faltaria alguma coisa, será que algo não denotava uma forte artificialidade aquela nossa relação?                        
            Eu sabia pouco sobre a sua família. Educado pela mãe, com o pai afastado desde os primeiros anos de vida, o centro de suas preocupações afetivas era aquela mulher que trabalhava as madrugadas fora de casa como enfermeira em um hospital. Ficar a madrugada sozinho enquanto ela trabalhava permitia a ele fazer coisas incomuns para uma educação tradicional, como encher a casa de amigos para bebedeiras. Foi em uma dessas bebedeiras que eu o conheci. Um amigo me levou até a casa dele para beber e se divertir. Naquela noite, ele trouxe o aparelho de som para a sala para que pudéssemos ouvir um pouco de rock embalando a nossa orgia. Bebi até vomitar e dormi em um sofá. Fui embora de manhã cedo quando a mãe dele chegou do plantão. Ele gostava dela, mas não achava que por causa disso deveria respeitar o seu esforço. O que ele queria dela era que financiasse as suas irresponsabilidades. Não era um menino ruim, apenas não achava que o dia de trabalhar e viver do próprio dinheiro chegaria tão cedo. E se tivesse que viver do próprio dinheiro, poderia muito bem viver de “qualquer” dinheiro. Status social não era a preocupação central da sua adolescência, como acho que não é a preocupação central para ninguém nessa fase.
            Nu sobre o seu corpo eu podia friccionar o meu pênis contra o dele. Estava ocupado em fazer isso enquanto o abraçava. O calor do corpo dele era transmitido junto de alguns tremores de desejo. Quando ele pôs a mão na minha bunda eu beijei o seu pescoço, foi quando descobri que garotos têm gosto de resina. Era uma noite quente e estávamos superando o calor com o vento forte do ventilador do meu quarto. Aquele calor ajudava a incendiar a mim e a ele de desejo e fazia exalar o nosso cheiro e gosto naturais.
            Naquela confusão eu tinha descoberto uma nova diversão que levaria para os meus futuros encontros sexuais. Mais do que qualquer coisa eu comecei a gostar de ficar por cima. Deitado por baixo de mim, com os joelhos um pouco levantados, eu sentei sobre o seu corpo enquanto segurava as suas duas mãos com os dedos entrelaçados nos meus. Em alguns instantes eu abaixava a cabeça e beijava sua boca e seu pescoço. Uma vez ele envolveu as mãos ao longo do meu corpo e me abraçou demoradamente. Essas demonstrações de afeto me faziam ter vontade de ficar ali, por cima dele, abraçado e não fazer mais nada até dormirmos um por cima do outro.
            Desde que voltei da cozinha e me joguei aos seus pés com o rosto enfiado em seu púbis, não havíamos trocado uma única palavra. Passamos a nos comunicar por gestos e pequenos gemidos. Fazer aquilo não estava sendo fácil para ele como não estava sendo fácil para mim, de forma que era melhor cortar a comunicação. Sentíamo-nos envergonhados. Comecei achar que já era hora de falarmos alguma coisa. Ele se apreçou e falou primeiro:
            —Nós podemos deixar isso entre nós dois.
Ele estava movido pela preocupação da repercussão daquelas coisas na sua vida pessoal, entre os seus outros amigos e o resto da sociedade. Eu também estava preocupado com isso. A solução que encontrei para esse dilema era a mais simples possível.
—Não se preocupe, meus pais estão dormindo, ninguém está vendo e no mais, você se passa perfeitamente por um amigo meu.
             Então, ele sorriu. “Você se passa perfeitamente por um amigo meu”. Por mais quantos anos eu tentaria enfiar meus parceiros na minha casa como se fossem amigos ate meus pais se cansariam daquele vai-e-vem de estranhos? Quantas vezes eu sentaria em bares e locais públicos com garotos que perfeitamente se passavam por amigos meus? Quantas vezes eu teria vontade de andar com eles de mãos dadas para que as pessoas finalmente percebessem que não éramos amigos, que éramos qualquer coisa do mundo menos amigos?
            Ah, essa conversa de amigo soou para ele como uma daquelas fichinhas de orelhões antigos. Atrevido e confortável com o nosso segredinho, falou-me algumas obscenidades. Percebi que ele já estava se sentindo leve demais.   (CONTINUA)

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